Cultuar as origens através da arte. Esse é o propósito de Geovana Clea, artista alagoana originária de Inhapi, sertão de Alagoas que acaba de voltar ao país para difundir mais uma vez a cultura indígena. A brasileira é madrinha pela segunda vez dos Jogos Olímpicos Indígenas. Mesmo radicada na Europa há mais de 20 anos, Geovana faz questão de enfatizar suas raízes, destacando sua paixão pela natureza e por tudo que a torna uma grande protagonista da causa ambiental. "Crio minhas obras inspiradas na geologia e com isso me aproximo dos indígenas que constantemente praticam o amor pela natureza. Esse elo entre nós confirma, para mim, a pureza do sentimento. Sei bem que onde alguém ocupar um espaço entre eles, nesse alguém eles têm que ter visto amor verdadeiro, e este é o meu sentimento. Honrada em ser mais uma vez madrinha de um evento lindo. Gostaria, do fundo do coração, que Brasil conhecesse o que eles têm de lindo para mostrar, e não somente para nós, mas para todo o mundo. Os jogos são uma ocasião única para fazer parte dessa incrível realidade e experiência".
Os jogos e o trabalho da artista têm princípios em comum. Os Koiupanká estão em Inhapi há cerca de 200 anos e conquistaram um reconhecimento como sociedade etnicamente distinta. Internacionalmente conhecida, ela apresenta uma “preview” de sua exposição em São Paulo durante os Jogos Olímpicos Indígenas de 2024. A exposição será dia 4 de outubro e terá direção de Gabi Paína e curadoria de Mariana Moura. Na G Gallery, a artista apresenta 15 obras da série Chão Rachado enriquecidas com cristais Swarovisk originais, visto que Geovana está entre os três artistas visuais no mundo certificados pela empresa.
As obras de Geovana Clea têm uma profunda conexão com a natureza, extraem elementos como o barro do solo sagrado do povo Koiunpanka. "Crio obras que eternizam o amor pela natureza e são extraídas da terra sagrada sertaneja recolhida pelas mãos dos próprios indígenas e pelas minhas mãos. Utilizo três cores: branco, preto e vermelho. O branco simboliza a origem e a paz; vermelho representa o sangue dos antepassados, enquanto se acredita que o solo alcalino se transformou em pedras de Toá vermelha. O preto é derivado do carvão vegetal da planta facheiro. Assim, as cinzas dessa planta são usadas para criar a cor preta, que, junto com o branco e o vermelho, representam a resistência do indígena sertanejo" detalha.
A cumplicidade da brasileira não fica só na produção das obras. Ela se envolve pessoalmente com a comunidade e, para manter as tradições e a cultura locais vivas, ajuda a desenvolver projetos, inclusive educacionais. "É preciso manter a ancestralidade e a sobrevivência desse povo. Assim, os Jogos Indígenas têm o objetivo de unificar e promover trocas culturais por meio das modalidades tradicionais dos povos." As obras com os três barros — branco, vermelho e preto que os indígenas utilizam para pintar seus corpos durante os rituais — estão expostas durante a cerimônia em Inhapi, conectando a artista ao que melhor a traduz: o sentimento que carrega em relação às suas origens.
O branco é visto como a origem de tudo, remetendo aos tempos da criação. Já o vermelho, ao contrário do que ocorre entre os povos do Xingu, que o utilizam em celebrações, serve para o povo Pankaralu como lamento pelas perdas de ancestrais que foram mortos, perseguidos e massacrados pelos invasores de seu território. Dessa forma, as três cores — vermelho, branco e preto — extraídas do facheiro tornam-se símbolos de resistência e identidade para esse povo. A artista teve a sensibilidade de unir a cultura sertaneja e o simbólico chão rachado do sertão à cultura tradicional indígena, criando um elo entre os povos do sertão e a população não indígena. "Eu apoio a causa porque dentro dela existem muitas coisas fundamentais para a nossa vida, como a visão sobre a preservação e o cuidado com o meio ambiente", enfatiza.